Foto: Reprodução -
Eram
4h30 do dia 30 de julho do último ano quando Isabella Yanka, 20, foi
assassinada a facadas em Ceilândia, no Distrito Federal. Isabella, que
saira de uma festa minutos antes, estava embriagada e indefesa, segundo a
investigação.
Levaram
quatro dias até que a Polícia Civil prendesse um homem de 27 anos, que
logo se declarou culpado. A identidade do assassino foi protegida pelos
investigadores, mas a história da qual ele foi agente entrou para as
estatísticas.
A
morte da jovem é uma das dezenas computadas pela Antra (Associação
Nacional de Travestis e Transexuais) em seu relatório anual.
O
levantamento aponta ser o Brasil, pelo 14º ano consecutivo, o país com
maior número total de homicídios de pessoas travestis e transexuais.
Segundo ele, 131 indivíduos foram mortos no país em 2022.
A maioria das vítimas tinha entre 18 e 29 anos, próximo à expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil, 35 anos.
Apesar disso, a taxa é 6% menor comparada se comparada ao registrado em 2021, quando houve 140 homicídios.
Por
estado, Pernambuco, com 13, foi o campeão de assassinatos. São Paulo,
historicamente o estado que reúne o maior número de vítimas, ficou em
segundo lugar, com 11, empatado com o Ceará.
Na
toada de Pernambuco e Ceará, o Nordeste é a região brasileira em que
mais se assassinam trans e travestis. No último ano, 40,5% dos casos
foram computados na região.
Os
dados foram divulgados na tarde desta quinta-feira (26), quando o
dossiê foi entregue ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
Durante esta semana, o ministro recebe várias personalidades trans. O
Dia da Visibilidade Trans é comemorado no próximo domingo (29).
O dossiê também ressalta que a maioria dos crimes aconteceu durante a noite, com pessoas que se prostituem para sobreviver.
Para
traçar o mapa da violência, a pesquisa da Antra levou em conta fontes
primárias de informação, como entidades responsáveis pela segurança
pública, Poder Judiciário e imprensa. Também foram usadas fontes
secundárias, como redes sociais, relatos testemunhais e instituições de
direitos humanos.
Logo
após os brasileiros, mexicanos e norte-americanos são responsáveis pela
maior quantidade de assassinatos de travestis e trans.
No México, 56 pessoas foram mortas em 2022; nos Estados Unidos, 51.
Segundo
o projeto Trans Murder Monitoring (Monitoramento de Assassinatos de
Trans, em português), do total de 4.639 homicídios catalogados entre
janeiro de 2008 e setembro de 2022, 1.741 ocorreram no Brasil. Ou seja,
sozinho, o país acumulou 37,5% das mortes mundiais.
Americanos e mexicanos têm 649 (14%) e 375 (8%) no mesmo período.
Por região, América Latina e Caribe concentram 68% dos assassinados catalogados desde 2008.
A
análise do projeto mostra ainda que, em 2022, 95% dos assassinados em
todo o mundo eram pessoas transfemininas. Além disso, pessoas pretas ou
pardas representavam 65% das vítimas.
Bruna
Benevides, secretária de articulação política da Antra e responsável
pela formulação do dossiê, diz que os dados chamam atenção por
continuarem extremamente altos. "Houve uma pequena variação, claro, mas
nós não acreditamos que isso seja positivo. Não há um programa de
governo para atacar esse problema, precisamos de ações conjuntas e
estruturadas para ver uma diminuição contínua no número de mortos."
Benevides afirma que durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ações para a população trans foram escanteadas.
No
início deste mês, governo Lula (PT) criou uma secretaria especial
LGBTQIA+. A titular da pasta é uma travesti, Symmy Larrat, ex-presidente
da ABLGT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais).
Junto
ao Ministério da Justiça, a secretaria LGBT+ articula projetos para
proteção da população trans, inclusive com participação da Antra e as
deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras
parlamentares transgênero da história do Congresso Nacional.
"A
realidade de pessoas trans no Brasil é preocupante e não há como não se
estarrecer com esses dados que hoje são mensurados apenas pelos
movimentos sociais. Nos últimos anos, houve conquistas importantes, via
Judiciário, que garantem maior segurança e direitos a esta população,
mas o governo anterior não promoveu as ferramentas necessárias para sua
execução", declarou Larrat à reportagem.
"Nosso
maior desafio emergencial é promover as pontes na política pública para
que as normativas legais, que assegurem o acolhimento e justiça em caso
de transfobia, sejam criadas e implementadas, ampliando a produção de
dados e, sobretudo, a proteção das pessoas", completou.
O
modelo de inclusão da população utilizado pela cidade de São Paulo é um
que agrada a membros da articulação trans em Brasília. A cidade possui
um programa, ligado à secretaria de assistência social, chamado
transcidadania, que promove a reintegração social para travestis,
mulheres e homens trans em situação de vulnerabilidade.
O programa oferece auxílio financeiro e suporte para que essas pessoas voltem à escola.
A
psicóloga Fe Maidel, mulher trans e assessora de coordenação de
políticas para a população LGBTI+ de São Paulo, diz a população trans
merece um tratamento mais humanizado.
"Somos
uma minoria em vulnerabilidade com necessidades extremas e diversas. Há
uma tendência de jogar nossas mortes para baixo do tapete. De muitas
formas, tentam nos invisibilizar. Não há nem dados nacionais confiáveis
sobre essa população", diz ela.
Maidel também culpa o governo anterior por elevar o tom contra minorias, assim inflando o ódio.
"As
pessoas têm medo do desconhecido. O discurso do governo passado era de
que éramos pecadores. É claro que não é isso. Somos pessoas como
quaisquer outras. Se tivermos acesso à escola, condições mínimas de vida
e dignidade, teremos um futuro melhor", afirma a assessora.
Fonte: Bahia Notícias
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