Artigo publicado nesta terça-feira no New York Times, assinado por Mark
Weisbrot, aponta que, ao agir de forma partidária, o juiz Sergio Moro
colocou a democracia brasileira à beira do abismo.
Ele afirma ainda que o ex-presidente Lula foi condenado a nove anos e
meio de prisão por evidências que jamais seriam levadas a sério num
sistema judicial independente, como o dos Estados Unidos.
Por fim, Weisbrot diz que se um Poder Judiciário politizado for capaz de
barrar o líder político mais importante da história brasileira, o
Brasil viverá uma calamidade.
Leia, abaixo, a íntegra:
WASHINGTON - A regra da lei e a independência do judiciário são
realizações frágeis em muitos países - e susceptíveis a reversões
bruscas.
O Brasil, o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão, é uma
democracia bastante jovem, tendo surgido da ditadura há apenas três
décadas. Nos últimos dois anos, o que poderia ter sido um avanço
histórico - o governo do Partido dos Trabalhadores concedeu autonomia ao
judiciário para investigar e processar a corrupção oficial - tornou-se
contrário. Como resultado, a democracia brasileira agora é mais fraca do
que aconteceu desde que o governo militar acabou.
Esta semana, que a democracia pode ser mais corroída quando um tribunal
de apelação de três juízes decidir se a figura política mais popular do
país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos
Trabalhadores, será impedido de competir nas eleições presidenciais de
2018 , ou mesmo preso.
Não há muita pretensão de que o tribunal seja imparcial. O presidente do
painel de apelação já elogiou a decisão do juiz de julgamento de
condenar o Sr. da Silva por corrupção como "tecnicamente
irrepreensível", e o chefe de gabinete do juiz postou em sua página no
Facebook uma petição pedindo a prisão do Sr. Silva.
O juiz de julgamento, Sérgio Moro, demonstrou seu próprio partidarismo
em numerosas ocasiões. Ele teve que pedir desculpas ao Supremo Tribunal
em 2016 por divulgar conversas telefônicas entre o Sr. da Silva e a
presidente Dilma Rousseff, seu advogado e sua esposa e filhos. O juiz
Moro organizou um espetáculo para a imprensa em que a polícia apareceu
na casa do Sr. da Silva e levou-o para interrogatório - apesar de o Sr.
da Silva ter dito que iria denunciar voluntariamente para
interrogatório.
A evidência contra o Sr. da Silva está muito abaixo dos padrões que
seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados
Unidos.
Ele é acusado de ter aceitado um suborno de uma grande empresa de
construção, chamada OAS, que foi processada no esquema de corrupção
"Carwash" no Brasil. Esse escândalo de vários bilhões de dólares
envolveu empresas que pagam grandes subornos a funcionários da
Petrobras, empresa estatal de petróleo, para obter contratos a preços
grosseiramente inflacionados.
O suborno alegadamente recebido pelo Sr. da Silva é um apartamento de
propriedade da OAS. Mas não há provas documentais de que o Sr. da Silva
ou sua esposa já tenham recebido títulos, alugados ou mesmo ficaram no
apartamento, nem que tentaram aceitar esse presente.
A evidência contra o Sr. da Silva baseia-se no testemunho de um
executivo da OAS condenado, José Aldemário Pinheiro Filho, que sofreu
uma pena de prisão reduzida em troca da evidência do estado de viragem.
Segundo o relato do importante jornal brasileiro Folha de São Paulo, o
Sr. Pinheiro foi impedido de negociar a súplica quando ele originalmente
contou a mesma história que o Sr. da Silva sobre o apartamento. Ele
também passou cerca de seis meses na prisão preventiva. (Esta evidência é
discutida no documento de sentença de 238 páginas).
Mas essa escassa evidência foi suficiente para o juiz Moro. Em algo que
os americanos poderiam considerar como um processo de canguru, condenou o
Sr. da Silva a nove anos e meio de prisão.
O estado de direito no Brasil já havia sido atingido por um golpe
devastador em 2016, quando a deputada do Sr. Silva, Sra. Rousseff,
eleita em 2010 e reeleita em 2014, foi acusada e demitida do cargo. A
maior parte do mundo (e talvez a maioria do Brasil) pode acreditar que
ela foi acusada de corrupção. Na verdade, ela foi acusada de uma manobra
contábil que temporariamente fez com que o déficit orçamentário federal
fosse menor do que seria de outra forma. Era algo que outros
presidentes e governadores faziam sem consequências. E o próprio
promotor federal do governo concluiu que não era um crime.
Embora houvesse funcionários envolvidos na corrupção de partidos em todo
o espectro político, incluindo o Partido dos Trabalhadores, não houve
acusações de corrupção contra a Sra. Rousseff no processo de
impeachment.
O Sr. da Silva continua a ser o corredor da frente nas eleições de
outubro por causa do sucesso dele e do partido em reverter um longo
declínio econômico. De 1980 a 2003, a economia brasileira mal cresceu,
cerca de 0,2 por cento anualmente per capita. O Sr. da Silva assumiu o
cargo em 2003 e a Sra. Rousseff em 2011. Em 2014, a pobreza foi reduzida
em 55% e a pobreza extrema em 65%. O salário mínimo real aumentou 76%, o
salário real geral aumentou 35%, o desemprego atingiu níveis recordes e
a infame desigualdade do Brasil finalmente caiu.
Mas em 2014, uma profunda recessão começou, e a direita brasileira
conseguiu aproveitar a desaceleração para classificar o que muitos
brasileiros consideram um golpe parlamentar.
Se o Sr. da Silva for impedido das eleições presidenciais, o resultado
poderia ter pouca legitimidade, como nas eleições hondurenhas de
novembro, que eram amplamente vistas como roubadas. Uma pesquisa do ano
passado descobriu que 42,7% dos brasileiros acreditavam que o Sr. da
Silva estava sendo perseguido pelos meios de comunicação e pelo
judiciário. Uma eleição não-crivel pode ser politicamente
desestabilizadora.
Talvez o mais importante, o Brasil se reconstituirá como uma forma de
democracia eleitoral muito mais limitada, em que um judiciário
politizado pode excluir um líder político popular de se candidatar a
cargos. Isso seria uma calamidade para os brasileiros, a região e o
mundo.
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