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O milionário patrimônio escondido do bandido e ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega

Em junho de 2018, quando a fazenda Boa Esperança foi comprada por João da Silva, Adriano, um personagem ainda desconhecido para a maioria dos brasileiros, não queria aparecer. Na época, o Ministério Público do Rio de Janeiro começava a aprofundar as investigações sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, especialmente no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. A mãe e a ex-mulher do ex-policial trabalhavam com o filho do presidente da República, e a suspeita é de que ambas participavam do esquema. Adriano era amigo e parceiro de Fabrício Queiroz, apontado pelos promotores como o responsável pelo recolhimento de parte dos salários dos funcionários. Em janeiro de 2019, o ex-­poli­cial teve a prisão decretada, sob a acusação de chefiar um grupo de matadores que operava para uma milícia carioca. Depois disso, Adriano também não podia aparecer.

Morto em fevereiro deste ano, o ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) tinha pelo menos 10 milhões de reais, entre valores em espécie e bens registrados em nome de laranjas, segundo pessoas próximas a ele. O ex-policial era dono de terras, casas, apartamentos, cavalos de raça, carros, empresas e pontos de jogo clandestino que lhe rendiam muito dinheiro. Nada disso, porém, estava em nome dele. O Ministério Público e a Polícia Civil do Rio tocam investigações a fim de rastrear a localização dessa herança deixada por Adriano e tentam identificar quem se beneficia ou se apropriou dela. Só em Tocantins, o ex-policial seria dono de três fazendas registradas em nome de laranjas. A Boa Esperança pode ser um ponto de partida para mapear esse tesouro oculto.

Em Pindorama, não é segredo para ninguém que o ex-policial era o verdadeiro dono das terras. A propriedade, que pertencia a Florair Turíbio de Souza, foi adquirida em junho de 2018 por 938 000 reais e registrada em nome de João da Silva, conhecido na cidade como “João de Dego”, que na época era funcionário de Adriano. Em maio passado, três meses após a morte do ex-capitão, João revendeu a terra, por 800 000 reais, ao deputado estadual Ricardo Ayres. De origem humilde e atualmente sem remuneração fixa, João disse a VEJA ter comprado a fazenda com prêmios que recebeu participando de torneios de vaquejada e comissões obtidas ao intermediar a venda de cavalos. “Sou corredor de vaquejada. Já ganhei mais de quarenta motos e uns dez carros. O Adriano me contratou para correr para ele me pagando um bom salário”, afirmou João, garantindo que a fazenda lhe pertencia. Segundo o “agropecuarista”, Adriano, que era aficionado por vaquejadas, ficava com os troféus e ele com todo o dinheiro dos prêmios. Essa versão é desmentida pelos ex-proprietários da fazenda.

Gilvan Turíbio Mascarenhas, filho de Florair, que vendeu a propriedade formalmente para João da Silva, confirmou a VEJA que o verdadeiro comprador das terras foi Adriano da Nóbrega. De acordo com Gilvan, uma irmã do ex-capitão acompanhou o registro da transação no cartório da cidade, fez os pagamentos devidos e mandou os comprovantes por e-mail. “Eu vi o Adriano duas vezes aqui em Pindorama. Ele estava sempre junto com o João de Dego. Foi o Adriano que comprou, fez o pagamento e passou para o nome de João”, disse Gilvan, ressaltando que um dos depósitos foi feito por Raimunda Veras, mãe do ex-­capitão. VEJA visitou a fazenda, que fica a 22 quilômetros da cidade — é cercada por arame farpado, a vegetação é fechada e dentro dela mora uma família de posseiros. Edinilson Custódio de Jesus ocupa uma área de 6 alquei­res há 21 anos. Ele contou a VEJA que, há dois anos, foi avisado de que a propriedade mudaria de dono. “Eu soube que esse tal de Adriano comprou a terra e passou para o nome do João de Dego. Depois soube que mataram ele, aí o João pegou e vendeu”, relatou o posseiro. O comprador da Boa Esperança, o deputado Ricardo Ayres, afirmou, por e-mail, que o negócio foi regular: “Interessei-me pela aquisição por ser a fazenda vizinha de outra de minha titularidade. Desconheço que citada fazenda seria de Adriano da Nóbrega”.

As atividades clandestinas do ex-­policial lhe renderam uma fortuna. VEJA apurou que o faturamento mensal de Adriano variava de 250 000 a 350 000 reais, obtidos com seus negócios imobiliários e, principalmente, com o ramo da jogatina. A morte do ex-capitão não fez seus antigos empreendimentos pararem. As cobranças de aluguéis de apartamentos em construções irregulares, por exemplo, continuam, mas os valores agora são embolsados por antigos sócios. O mesmo acontece no caso do jogo. Adriano gostava de investir em cavalos. Um de seus xodós era o quarto de milha Dakar, que foi comprado por cerca de 150 000 reais e brilhou em competições de vaquejada. Outro destaque do plantel era o também quarto de milha Mega San, que foi arrematado por cerca de 90 000 reais. Familiares e antigos parceiros dividiram o espólio.

Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020,  edição nº 2709

 

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