Na semana passada, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou a inclusão de educação financeira no currículo das escolas. Como em todo tema que ganha visibilidade em redes sociais, o assunto logo foi tragado pela polarização política, depois de um vídeo da deputada Luciana Genro (PSOL-RS) viralizar com críticas ao projeto. Mas é importante trazer o debate para bases mais racionais. Um primeiro ponto a ser lembrado é que a proposta não é nova. Em dezembro de 2010, ao final do segundo mandato do presidente Lula, o governo federal chegou a criar por decreto uma Estratégia Nacional de Educação Financeira, inspirada, entre outras ações, num projeto piloto que o MEC implementou em 892 escolas de Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins e Distrito Federal.
Uma avaliação desse programa feita pelo Banco Mundial comparando dois grupos similares de estudantes (um com acesso ao programa e o outro sem) mostrou resultados positivos no curto prazo na proficiência dos alunos sobre temas financeiros e nas taxas de conclusão do ensino médio. Mas os efeitos na mudança de comportamento foram considerados mistos, com impactos tanto positivos (como a probabilidade de fazer listas de despesas mensais e de negociar melhor preços e métodos de pagamento) quanto negativos (como o aumento da propensão a fazer gastos em cartão de crédito ou em compras parceladas). Há previsão de uma nova rodada de avaliação, desta vez para saber, já durante a vida adulta, quais os impactos do programa.
O debate não é restrito ao Brasil. No mês passado, em artigo publicado no blog do Instituto Thomas B. Fordham (think tank de viés conservador nos Estados Unidos), o pesquisador Daniel Buck criticou a oferta em alguns estados de cursos de educação financeira em escolas de ensino médio nos EUA. Citando um estudo do Federal Reserve Bank (equivalente ao nosso Banco Central) e outros que analisaram os impactos dessa estratégia, Buck sustenta que é frágil a evidência de que comportamentos sobre finanças pessoais sejam afetados pela oferta desta disciplina nos tempos de escola. O ponto central de seu argumento é que o conhecimento não é suficiente para mudar hábitos. Por exemplo, mesmo sabendo que comidas gordurosas ou excessivamente calóricas fazem mal, ainda assim consumimos cada vez mais esses alimentos, por uma série de razões que não dependem apenas da consciência ou autocontrole individual.
Outro ponto a considerar neste debate é que não há consenso sobre a melhor maneira de tratar do tema. Há quem defenda, por exemplo, que exista uma disciplina à parte. Além de dúvidas sobre a eficácia, um efeito colateral a ser considerado nesta estratégia é que já temos um currículo sobrecarregado frente ao tempo que os estudantes hoje passam em sala de aula, o que pode acabar prejudicando o desempenho acadêmico. Educação financeira é importante, assim como são também tantas outras questões que não aparecem em formato de disciplina. Outros argumentam que o melhor seria inserir o tópico de forma transversal (como, aliás, já previsto na Base Nacional Comum Curricular), aproximando o conteúdo tradicional com situações práticas do cotidiano, mostrando o quanto esse conhecimento adquirido na escola, quando bem assimilado, pode contribuir para hábitos financeiros mais saudáveis.
Não há dúvida de que preparar os estudantes para tomarem melhores decisões financeiras em suas vidas é positivo. A questão, muito mais complexa, é como fazer isso, e quais evidências de que disciplinas ou aulas dessa temática realmente contribuem para alterar comportamentos que são influenciados também por variáveis que não dependem apenas do que se aprende na escola.
Por Antônio Gois/ O Globo
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