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Como vai ser o futuro dos alunos das escolas públicas?

          Por Graham Tidey*
O brasileiro é um povo otimista e isso é algo que todos os estrangeiros admiram. Por aqui existe uma alegria de viver a vida que é tão contagiosa quanto o covid-19! Outra coisa que os estrangeiros admiram no brasileiro é a felicidade do povo apesar das condições difíceis da vida no Brasil. Não entendemos como um povo pode ser tão feliz com tão pouco e isso nos ensina muito sobre gratidão.
Escrevo este artigo usando a parte gringa e cínica do meu cérebro em vez da parte otimista que espero ter ganho quando recebi meu RG. Vamos ser realistas sobre o futuro complicado de muitos alunos da rede pública no país e em especial sobre o futuro alarmante da desigualdade no país.
Os problemas causados pela falta de resposta das escolas e universidades a pandemia de covid-19 são inúmeros. Por exemplo, temos milhares de crianças que antes comiam bem uma vez por dia, na escola, e quem agora nem comem isso. São crianças passando fome cujos corpos estão mal se desenvolvendo devido à má nutrição. Enquanto isso os alunos brancos de escolas particulares ainda têm acesso a refeições em casa (e quem sabe, iFood) e estão se desenvolvendo bem. Vão ser mais altos, mais fortes e mais saudáveis do que aqueles que estudam em escolas públicas.
Também temos que lembrar das crianças de famílias pobres que moram com parentes drogados, alcoólatras ou que praticam abusos físicos ou sexuais contra elas. Sabemos que alcoolismo e o uso de drogas é mais comum entre as classes sociais mais economicamente frágeis. A pandemia fez que as crianças que usavam a escola como um refúgio para escapar dos problemas dentro de casa já não têm isso. Elas têm que ficar em casa o tempo todo com quem as maltrata, algo que certamente vai deixar não só rastros físico, mas também psicólogos.


É normal que famílias que não tiveram acesso a escolas boas no passado hoje toleram a escola, mas não defendem a importância dela. Os filhos dessas famílias são em bastante risco de largar a escola de vez. Se a ligação entre aluno e escola antes da pandemia já era frágil, ou seja, se o aluno já frequentava pouco, agora que os alunos passaram quatro meses sem ir, essa ligação já está rompida. É previsto que muitos dos alunos que não frequentavam todos os dias a escola já não voltarão a frequentar de forma alguma.
E, por final, a escola é um lugar de ensino que prepara a criança para ter uma vida melhor. Mas, no mínimo, ela também é um lugar que ocupa o tempo da criança. Sem ela existem diversas outras atividades menos produtivas que podem ocupar o tempo da criança. Todo pai sabe que uma criança brincando na rua todo o dia e noite é mais vulnerável a ficar encantado pelas más-influencias dos traficantes de drogas. As meninas também são mais prováveis a se engravidar cedo se não tiverem um lugar como uma escola para ir cedo todos os dias. E na periferia e no interior, se a criança não estiver na escola, muitos pais vão exigir que a criança trabalha informalmente para poder contribuir. Uma vez que a criança começa a trabalhar, fica mais difícil resgatá-la e recolocá-la na escola.
Levando tudo isso em consideração, os efeitos futuros do fechamento das escolas públicas já são óbvios. Aqueles que não tiveram acesso às escolas serão mais prováveis de trabalhar cedo, engravidar cedo, entrar no crime ou sair da escola. Tudo isso vai limitar muito o salário que essa pessoa vai conseguir ganhar. A pessoa que saiu da escola cedo, por exemplo, vai um dia conseguir um trabalho de 5 mil reais por mês?
Temos que estar atentos ao fato de que teremos que implementar um sistema de benefícios sociais no futuro para que as pessoas que saiam da escola durante a pandemia vão conseguir sobreviver com os baixos salários disponíveis para elas num mundo onde mais serviços e produtos são entregues online. Em vez de criar um Brasil onde o dinheiro público é investido em fomentar inovação, cidades inteligentes, pesquisa e desenvolvimento e etc, ainda vamos ter que gastar muito dinheiro em tirar pessoas da pobreza. Atrasamos nosso avanço como um país com a falta de resposta para a educação na pandemia.
*Cônsul britânico em Pernambuco

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