No começo era a febre amarela. Depois veio a dengue.
Mais recentemente, a chikungunya, e, logo depois, o zika. Entre
especialistas em epidemias, o pensamento é um só: sabe-se lá o que mais
pode vir daqui para frente. Em comum, todas as doenças compartilham o
mesmo vetor de transmissão, o mosquito Aedes aegypti. Sabe-se na
literatura médica que pelo menos mais 17 outros vírus podem ser
carregados pelo mesmo mosquito, mas ninguém se arrisca a dizer se algum
deles pode se mover nem qual poderia ser o próximo a chegar ao Brasil.
Trabalhos de vigilância dos países e de instituições como a Organização
Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças
(CDC) dos Estados Unidos tentam fazer essas estimativas, mas nem eles
imaginavam há pouco mais de dois anos que o zika, por exemplo, poderia
ter a movimentação que teve. Descoberto em 1947 na Floresta de Zika, em
Uganda, ficou por cerca de 60 anos contido entre alguns países da África
e da Ásia. Em 2007, começou a andar para o leste, indo para Micronésia,
depois ilhas do Pacífico, Polinésia Francesa, até chegar ao Brasil -
provavelmente na Copa do Mundo de 2014 ou em um campeonato de canoagem
pouco tempo depois. Não que o Brasil não estivesse à espera de ser
“visitado” por outro vírus transmitidos por mosquitos. Desde 1999,
quando o vírus do Nilo Ocidental causou um surto em Nova York e passou a
se espalhar pelos Estados Unidos - depois de passar anos sem se mexer
na África e saltar para a Europa em meados dos anos 90 -, o País iniciou
um trabalho de vigilância para ver se ele chegava por aqui. “No
Ministério da Saúde, começamos a monitorar aves migratórias que vêm dos
Estados Unidos para o Brasil para ver se elas traziam o vírus, mas nunca
encontramos nada”, conta Expedito Luna, pesquisador do Laboratório de
Epidemiologia do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São
Paulo (USP), que na época colaborou com o ministério. Pernilongo. O Nilo
Ocidental é transmitido por um mosquito diferente, uma espécie do
gênero Culex (nosso famoso pernilongo). E depende de um outro
hospedeiro, uma ave, provavelmente os corvos, que não temos aqui. Não
passa de humanos para o mosquito, o que pode ter dificultado a chegada
ao Brasil. A espécie de Culex que temos aqui também é diferente da
americana. “É muito difícil saber o que pode desencadear a dispersão de
um vírus. Passamos anos fazendo a previsão de que o Nilo Ocidental
chegaria aqui e não aconteceu. Aí veio o zika”, comenta Francisco
Chiaravalloti Neto, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Tampouco se
sabe por que o Culex daqui até agora não passou a transmitir nem o Nilo
Ocidental nem a encefalite japonesa - vírus geneticamente próximo do
zika. “Mas isso acontece com a febre amarela também”, lembra Expedito
Luna. A doença só ocorre hoje no Brasil na sua variante silvestre, em
alguns países da América do Sul e na África, mas não em outros lugares
que também abrigam o Aedes. Até o fim da década de 1950, a febre amarela
era um problema urbano no Brasil, até que começou o trabalho de
erradicação e foi desenvolvida uma vacina. Hoje, a ocorrência é
basicamente nos Estados da Amazônia. Uma suspeita para que isso tenha
acontecido é que talvez o mosquito não seja capaz de carregar muito bem
dois vírus ao mesmo tempo e, quando a dengue se proliferou, ela foi de
certo modo dominante. Agora, existem algumas suspeitas de que o Aedes
possa ser mais competente para transmitir o zika que a dengue,
considerando a velocidade com que o novo vírus se proliferou pelo País.
(Estadão Conteúdo)
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